A leitura pode ser um hábito, pode ser uma obrigação ou pode ser
um jeito de fugir por alguns instantes para uma realidade paralela. Nas ficções,
a gente mergulha no tempo do autor, acredita nas descrições que ele faz e de
repente está rodeado por lugares, pessoas e coisas que não existem no nosso dia
a dia. Ao ler artigos acadêmicos, não é
difícil começar a discutir mentalmente com o autor, discordando, aplaudindo ou
apenas reconhecendo a beleza do raciocínio feito. Em biografias, temos a
oportunidade de conhecer alguém, de assistir suas vivências e de acompanhar o
impacto dos acontecimentos sobre sua vida e seus pensamentos. De um jeito ou de
outro, bons livros nos tiram do momento presente para colocar em contato com
outra realidade, que pode apenas nos divertir ou também impactar o mundo em que
vivemos.
Toda essa riqueza, no entanto, tem um portal: saber ler. Não
apenas espiar as manchetes de notícias ou artigos de internet, mas desafiar-se
a ler uma escrita muitas vezes ultrapassada, muitas vezes mais rebuscada do que
mastigada para o público. Quem se lembra das aulas de interpretação de texto
sabe do que eu estou falando. Nesses exercícios, abrimos mão da interpretação
livre para tentar decifrar o que o autor está querendo expor. Nesses exercícios
nos tornamos capazes de atravessar uma ponte entre o nosso ponto de vista e o
do outro, mesmo que esse outro esteja distante ou mesmo morto.
A leitura de autores como Bourdieu, Guimarães Rosa ou mesmo
Machado de Assis pode ser uma verdadeira tortura para quem não se propõe a
encarar diferentes estilos. Se por preguiça de aprender a ler bem deixarmos de
ler esses autores, fechamos as portas para mundos que têm muito a oferecer. E o
fato é que só aprendemos bem uma língua que usamos. Assim, por mais que
tenhamos licença para usar uma linguagem preguiçosa em diversos momentos, se
nos entregarmos exclusivamente a ela podemos nos afastar totalmente de
universos mais complexos, que exigem um pouco mais, mas que guardam belezas
ausentes alhures.
Quando negamos o desenvolvimento dessa habilidade, ficamos
restritos à mediocridade cotidiana, apenas àquilo a que a linguagem simples
satisfaz, ao lugar-comum. O uso das letras como mera extensão do mundo vivido,
do mundo corrido sem beleza poética ou reflexão crítica é útil, porque é rápido
e serve a propósitos simples. Mas quem quer ir além do mundo concreto, quem
quer viajar em outros cenários, discutir com grandes mentes e permitir que os
neurônios respirem um ar diferente de vez em quando tem que aprender a
percorrer os caminhos que levam a outras realidades.
É possível viajar o mundo com um passaporte comum, tempo e
dinheiro suficientes. É possível viajar muitos mundos aprendendo a ler
diferentes linguagens.