quarta-feira, 25 de março de 2015

O escritor é importante para a leitura?


Li outro dia uma notícia sobre a manifestação de escritores no salão do livro de Paris com o slogan “sem autores, sem leitores” e fiquei pensando a respeito. Será mesmo que se os escritores contemporâneos deixarem de escrever não haverá mais o que ler?
Por mais que seja bacana ter novas obras no mercado, já foi escrito tanto ao longo dos séculos, que se os escritores deixarem de publicar hoje, ainda terá muita coisa para ler.
Assim, me pergunto: como fazer para o ofício de escritor ser valorizado, se os seus produtos não se perdem no tempo? Como valorizar os novos escritores em um mundo em que existem tantos outros, vivos ou mortos, que fazem a vez quando algum abandona o barco?

sábado, 14 de março de 2015

Mas afinal, o que é falar bem?

A pergunta, assim feita, dá margem a muitas interpretações.
Se uma pessoa sobe no palanque e faz a plateia aplaudir, podemos dizer que ela fala bem. Nesse caso, ela convence, envolve, é carismática. Não importa se usou português culto, não importa nem se foi 100% coerente ou lógica.
Já em uma conferência acadêmica, ser carismático não sustenta uma tese mal construída. Respeitar o método científico e ter cuidado com afirmações mal embasadas é um jeito de falar bem nessa situação. A diferença entre um exemplo e outro é o objetivo, o público, o sentido da comunicação.
Isso também se aplica à escrita. Mas mesmo que o objetivo da escrita seja a transmissão de ideias, quando se pergunta se alguém escreve bem, geralmente vamos encontrar uma resposta um tanto limitada: escrever corretamente.
É verdade que saber usar a norma culta ajuda a dar clareza e compreensão ao texto. Mas não é exatamente ela que faz com que um texto seja bom. Depende muito dos argumentos, do estilo da escrita e – por que não – do público a quem ela é destinada. Então por que toda essa importância atribuída à norma culta?
Não sou linguista, mas ensaio uma resposta: o domínio de um sistema e o hábito linguístico de alguém sinalizam algumas coisas dentro de uma cultura. Pelo jeito que alguém escreve e, em uma escala menor, pelo jeito que alguém fala, identifica-se:
- se a pessoa frequentou a escola
- se teve uma educação de qualidade
- quão bem associou as normas que lhe foram ensinadas
- com quem costuma se comunicar
- o quanto lê
- o que lê
- o quanto escreve
- o que escreve
Aí você pode dizer “ah, mas eu conheço uma pessoa que não frequentou a escola e escreve muito bem!”. Sim, há exceções. Mas via de regra, pelo modo como alguém se comunica dá pra “adivinhar” boa parte desses itens. E da mesma forma que as pessoas se identificam, elas perpetuam esses laços pela língua.
Da mesma forma que uma pessoa que só troca mensagens instantâneas com adolescentes usando gíria não costuma ter interesse pelo que um acadêmico diz, aqueles que tiveram uma experiência acadêmica, de leitura e de escrita que os levou a dominar o português culto não costumam se interessar por quem não chegou nem perto disso.
Isso é normal - geralmente nos interessamos por trocar ideias com quem tem um background parecido com o nosso. Seria lindo se as pessoas se dispusessem a ampliar seus horizontes e entender melhor a cabeça de quem não pensa tão parecido, mas diante de um mundo de escolhas, raros são os que se dispõem a fazer o mais desconfortável, o mais desafiador, o mais incômodo. Falar com diferentes exige não apenas tolerância pelo que eles pensam, mas resiliência para aceitar a rejeição que eles terão quando você revelar que não é dali – às vezes, simplesmente pela língua.
Isso constatado, poderíamos ir dormir tranquilos sabendo que o mundo é rico e que as pessoas se comunicam entre si, mesmo que só entre os mais parecidos. Mas não para por aí. Todos sabemos que existem consequências mais sérias para isso. As provas que selecionam quem vai estudar de graça em boas universidades privilegiam um grupo. Os concursos que preenchem as cadeiras em empregos públicos privilegiam um grupo. E se é esse grupo que é sempre escolhido para estudar nas melhores universidades e preencher os cargos públicos, qual é a perspectiva de que esse cenário mude?
Quais são as chances de que uma pessoa que não tem conversas com pessoas cultas escreva uma redação exemplar e possa frequentar uma boa universidade? Quais são as chances de que a clareza e a coerência sejam mais valorizadas do que a ortografia? Quais são as chances de que a língua expresse a cultura de um povo, e não apenas perpetue diferenças sociais?
São questões que podem ser desanimadoras se pensarmos apenas em grandes meios de comunicação. Desconfio, talvez de forma otimista demais, que a internet pode dar mais voz a questões como essa e promover a tolerância e a compreensão entre quem tem bases diferentes.
Desconfio, de forma mais otimista ainda, que as pessoas conscientizadas podem começar a trocar: ensinar a língua culta aos que querem se comunicar com quem a domina e também passar a entender quem escreve diferente antes de automaticamente condenar.
Desconfio e torço para que sejamos menos reprodutores dos padrões sociais e mais preocupados com quem compõe a sociedade.